Segredos

"Todo amor,
todo amor dorme numa caixa, numa gaveta,
numa sala escura que às vezes visito..."
(Herbert Vianna)

Vivi um amor daqueles muito especiais, daqueles que a gente vê em filmes e suspira, daqueles que a gente lê em livros, e se imagina... daqueles que, no fundo, no fundo, todo mundo quer. Pois então, vivi um amor desses, sem preço, sem muita descrição, sem qualquer comparação.

Um dia meu amor se desfez, por um motivo grande (não maior que ele), por um motivo que por si só não basta; o motivo havia, contudo ele não se justificava. Entretanto havia uma razão pela qual o meu amor nunca mais poderia ser vivido e a vida me exigiu matá-lo.

Senti então uma dor de alma que só quem já passou por isso é que a conhece. Daquelas em que a gente agarra o travesseiro, se ajoelha com a cara na cama e grita, grita para tentar expulsar toda a dor que se sente; e chora, chora as lágrimas mais quentes que um corpo pode produzir. Mas isso de nada adianta, apenas cansa. Cansa até à exaustão... daí a gente pára de chorar, quase que sem força para respirar e fica com o olhar fixo em um ponto, mas na realidade, o que se vê é o filme de tudo o que vai ter que ser assassinado para sempre...

Eu não fui capaz de cometer esse pecado. Instinto assassino não é meu forte; talvez o que eu tenha de mais forte seja um instinto torturador, não sei. Aliás, não sei mesmo; não sei se foi pena, senso de desperdício, covardia ou sincero respeito... só sei que decidi guardar aquele amor numa caixa resistente, dessas bonitas e decoradas, que resistem bem ao tempo, às traças do real. Enfim, guardei aquele amor numa caixa.

Os dias naturalmente se passaram. A vida foi encontrando seu eixo. E eu já era capaz de me lembrar daqueles tempos sem chorar ou coisa assim. Voltei à vidinha que eu tinha antes daquele amor e fui reciclando tudo o que eu já tinha, até mesmo os sentimentos e os sentidos.

Mas nenhum amor se compara àquele.

Dia desses fui dormir, mas antes dei uma olhadinha para a caixa. Para a minha surpresa, sua tampa estava tremendo. O amor estava vivo, vivíssimo, quase que transbordando. É evidente que passei a noite em claro, com um nó na garganta, com uma vontade daquelas de destampar a caixa e deixar fluir, dar uma de louca e viver todas as possibilidades que havia ali dentro (aliás, louca eu seria por permitir isso ou louca eu sou por não fazê-lo?).

Porém eu não podia fazer isso. Eu não sou tão louca assim (volto a perguntar). E para fingir ter a paz que eu acho que estampo na cara, coloquei uma pedra de realidade bem pesada sobre a tampa da caixa. Sinceramente não sei até quando a pedra vai conter o amor que eu tenho, que não soube matar e que tento esconder.

Eu ainda revisito a caixa. Disfarço bem, pareço até feliz!

(Realidade alguma pode me impedir de tremer inteira quando vejo você na rua.)

Comentários

Ludmila Clio disse…
Antes que eu seja mal interpretada, devo dizer que sou feliz com o amor que tenho hoje. Mas, como diz Pessoa:

"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração."

Assim, de desabafo em desabafo das minhas amigas e irmã, vou aprendendo a incrível arte de encarnar e narrar em primeira pessoa dores que não são minhas.

Um abraço a todos!
Alê disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo Grillo disse…
E como dizia nosso sábio Newton... "ainda hei de morrer de dores que não são minhas". Bj