Luminária, lata, lixeira e bailarina



Tive duas grandes frustrações na infância.

Eu morava numa rua sem saída e, todos os dias em que eu voltava da escola, sentia meu coração acelerar ao começar a andar na minha rua. Sempre tive a esperança de encontrar em frente da minha casa um caminhão de alguma loja de móveis da cidade, desembarcando o meu sonho.

Como eu nunca flagrava o momento dessa entrega, eu entrava em minha casa ansiosa e ia com o coração a mil para o meu quarto. Eu queria jurar que os meus pais teriam sido mui criteriosos e teriam feito tudo cronometradamente de modo que, quando eu chegasse ao meu quarto, ela já estaria lá, montada, à minha espera: a minha escrivaninha!

Eu sempre sonhei com uma escrivaninha no meu quarto, com direito à luminária, uma lata linda e decorada para os meus lápis e canetas, uma lixeira simpática no cantinho, para eu jogar os meus papéis _até hoje a sensação de embolar os meus rascunhos e jogá-los fora é indizivelmente prazerosa para mim!_ e, para coroar, sobre ela a minha segunda grande frustração de infância: a caixinha de música. Daquelas que tocavam o "Lago dos Cisnes" ou "Love Story" e tinham uma bailarina, com saia de filó, rodopiando, majestosamente, em seu centro.

Ah, como eu sonhei, como eu desejei com todas as minhas forças, cada dia da minha infância, encontrar com a minha escrivaninha, no meu quarto, com luminária, lata, lixeira e bailarina!

No entanto, esse encontro nunca aconteceu para mim. Eu escrevia, desenhava e ouvia música na cabeceira da mesa de madeira de oito lugares, imponente, que ficava na sala de jantar. Eu sempre fingia que a sua ponta era a minha escrivaninha e ignorava todo o seu restante. Eu não precisava _e nem queria_ todos aqueles metros de madeira, nem das suas outras sete cadeiras caprichosamente estofadas de veludo verde militar; eu só precisava do seu primeiro metro e de uma única cadeira para me sentir escritora, nada além disso.

Hoje vejo o quão fáceis de realizar eram os meus maiores sonhos irrealizados. Talvez isso seja culpa minha, eu nunca os revelei para a minha mãe. Não dessa maneira. Não com a devida importância.

Depois que eu me via no meu quarto tal qual eu o havia deixado pela manhã, antes de ir para a escola, o desapontamento passava, eu recobrava o ritmo _como quem volta de um afogamento_ e ia almoçar, contando os detalhes da minha rotina escolar, entregando o hibisco vermelho para a minha mãe, que eu quase todo dia colhia do pé de hibisco que tinha na minha rua ou ainda, mostrando a ela alguma prova recebida na escola.

Além das duas grandes frustrações, eu tinha um vício crônico: eu nunca entrava no meu quarto sem dar uma conferida no chão da sala, à procura de uma carta. Eu sempre esperei _também_ por uma carta.
Via de regra, chegavam contas e não eram para mim, mas era extasiante o sentimento de flagrar alguma correspondência ali, deixada pelo carteiro, perto da porta, no chão da sala. 

Aliás, eu adorava chegar à minha rua e ver o carteiro, de porta em porta, depositando cartas! Ele nunca soube, mas a sua presença ali sempre acendeu uma alegria esperançosa e inexplicável no meu coração. Talvez porque eu adorasse ouvir da minha mãe as histórias de sua infância, entre os seus nove irmãos, filhos da minha avó guerreira e do meu avô, carteiro.

Não sei, realmente eu não sei se ser neta de um carteiro explica essa minha emoção maravilhosa, mas nunca chegou a carta que mudaria a minha vida. E também nunca chegou a escrivaninha. Nem luminária. Nem lata. Nem bailarina.

Muitos anos já passaram. Decerto os meus sonhos de menina escritora, melomaníaca e romântica incurável continuam aqui, dentro de mim. Eu continuo esperando que a vida me traga a grande notícia. Sim, eu continuo espiando os seus cantos. Pressinto que, um dia, ela há de me surpreender com luminária, lata, lixeira e bailarina.

Com luz, coração, depósito e canção.

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