Eu prefiro ser essa poesia ambulante



E então, como falar de uma cidade onde nunca se esteve? Como descrever o sabor de uma comida, as propriedades de um vinho que jamais fora provado? Como saber das dores do parto sem jamais ter parido? Assim compreendo a poesia. Escrever poesia não é meramente o ato de escrever. Escrever qualquer pessoa alfabetizada o faz.

Poesia nada mais é que uma declaração de enfermidade, um atestado de loucura, uma cicatriz. 

Poesia é insanidade consciente. Poesia é um ato de desespero, de alguém que já não aguenta mais sentir aquela pressão interna _e infernal_ de palavras vivas, dos sentimentos endemoniados, borbulhando dentro de si.

Poesia é um vômito sentimental, um grito desesperado que, geralmente se faz em silêncio, madrugadas adentro. É preciso ter um coração verdadeiramente vivo, uma alma que se espreme e se revira dentro da própria pele, e uma bruta sensibilidade para fazer poesia.

Em verdade, acredito que todo poeta é uma poesia viva. Cada vez em que ele escreve, mutila um pedaço de sua alma e o expõe ali, em palavras. Sim, poesias são pedaços do poeta. Quem lê poesia, lê uma declaração de loucura, já que é preciso ter febre na alma, delírios insuportáveis para escrevê-las e um quê de insensatez. E é por expurgar suas dores e declarar suas sandices que os poetas são livres. A loucura é libertadora. As pessoas ditas comuns não dão ouvidos aos loucos, elas são doentes demais para isso. Os “sãos” passam pela vida. Os poetas a vivem de verdade, em dor, loucura e desespero. A medida da paz é o tormento, é preciso um pouco de tormento para viver em paz.

Em um mundo de disfarces, dissimulações e mentiras, só mesmo um louco para expor em vitrine a própria alma. Conviver com esses seres estranhos e esquisitos nem sempre é reconhecido como uma bênção, mas quem se inclina a ouvi-los, ainda que uma vez apenas, não permanece do mesmo pequeno tamanho. A magnitude da vida reside em seus pequeninos detalhes. A poesia é uma lente.

Talvez a poesia exista mesmo só para isso, para legitimar a vida. 

A poesia é uma doença incurável. Às vezes isso é uma bênção. Às vezes, uma maldição. Eis o abismo onde se equilibram esses pobres-diabos, portadores da maior riqueza da existência humana.


Comentários