Só Existem Paredes


Há momentos em que o acelerador quebra, o automático desliga, por mais que a gente pise fundo e queira ignorar o que se vê, o que se sente. E a gente é obrigado a enxergar cada coisa que está fora do lugar na nossa vida, e a gente é obrigado a sentir o que a gente conseguiu disfarçar por semanas.

Às vezes me sinto no filme Laranja Mecânica. A vida me prende e força meus olhos bem abertos para fitar tudo aquilo que não quero ver.

No fim do dia admito que sobram motivos para celebrar, mas não consigo. Meus destroços não se encaixam, eu perco a forma e, ao tentar me remontar, não me transformo em nada.

Foram tantos tropeços e descaminhos que me trouxeram até aqui, nada planejado, tampouco pretendido. Tantos desencontros, tantas vontades e choros engolidos.

Nesse arquipélago social em que "vivemos", onde tornamo-nos ilhas, pesa o peso de existir na contramão da leveza de viver. 

Seria pecado querer mais disso tudo e muito menos também, essa latejante contradição que transborda todo dia no meu coração?

O final de dias assim deveria ser consumado com um abraço compreensivo. Cumplicidade faz mais falta que paixão, mas só existem paredes. Melhor é tentar dormir, anestesia forçada na veia. Talvez amanhã o automático reinicie e minha atuação continue convencendo.

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