Quando eu morrer, será "de repente" para todo mundo. Para mim, será "até que enfim".
Quero que peguem minha sensibilidade com cuidado e a levem para um lugar longínquo e totalmente isolado. Lembrem-se de que ela foi a minha causa mortis. Não a invejem, não a queiram, nem pensem em roubá-la para si. Não mexam com ela.
Se possível, levem junto o meu coração, esse tonto, que sempre cedeu aos caprichos da soberana sensibilidade. Explodam os dois, para o bem de todos. Destruam-nos completamente, sem chance de pairar alguma de suas partículas por aí.
Deixem meu caixão lacrado. Aliás, coloquem meu corpo no mais simples de todos, não quero nem janelinha de vidro. Quis muito ser olhada enquanto estava viva, de modo que, quando eu enfim já não estiver mais, não percam tempo e nem gastem vossa hipocrisia em me espiar descansando. Quero que minhas feições se dissolvam em vossa memória e deixar de ser o assunto já no dia seguinte. Não, não percam tempo falando em mim. Tempo é dinheiro. A vossa vida continua e, a essa altura, eu já serei passado. O mundo globalizado a qual vós pertencestes não vos permite lembranças, lágrimas, tampouco sentimentos.
Ah, e não me levem flores. Deixem-nas enfeitando a vida.
Ah, e não me levem flores. Deixem-nas enfeitando a vida.
E se descobrirem uma forma de distribuir a "vida toda que eu tinha pela frente" entre aqueles que querem muito viver, o façam, não hesitem. Mas façam isso com cuidado extremo. Levem minha vida pura, destilada, sem sequer um vestígio de contaminação pela maldita sensibilidade. Minha vida diluída na ignorância deles os fará pessoas felizes.
Lamento que a mim não seja possível fazer uma transfusão de ignorância, o segredo da felicidade.