Pedras sob o Sol de verão


Podem tacar pedras: eu amo o horário de verão! 

Nesses dias que o antecedem, muitas pessoas estão mal humoradas, praguejando o novo fuso-horário, maldizendo o calor, que parece aumentar nesse período.

Ora, já aviso de antemão que em matéria de calor, sou expert. Nasci e cresci numa cidade verdadeiramente quente. Em meu Cachoeiro de Itapemirim, no mês de janeiro, faz 45 graus com sensação térmica de 50. À sombra. Então não tente me explicar o calor. Vai por mim, disso eu entendo.

Quando eu era criança e podia gostar do que eu quisesse gostar sem ter que me preocupar com o quanto isso pesaria em relação à opinião alheia, o advento do horário de verão era o prenúncio de que a melhor época do ano estava por vir. Estavam chegando as férias escolares, os dias em que eu poderia, enfim, dormir na hora em que eu quisesse e acordar ao meio-dia. Ou mais tarde.

Estava chegando dezembro: o mês fantástico em que toda a cidade se enfeitava para o Natal; as ruas ficavam lotadas, embaladas pelas canções natalinas, como nos dias de hoje. Só que hoje isso já acontece em outubro, o que desencantou dezembro e tirou dele tudo o que ele significava.

Depois chegava o tão ensolarado e esperado janeiro! Reveillon com a grande família, em Minas Gerais! Terraço lotado, expectativas, reencontros, amigo X, comida, causos e claro, os disputadíssimos canudinhos de doce de leite da vó Alice!

Depois eu voltava com os meus pais para o Espírito Santo e me casava com o mar. É indescritível a sensação do ar quente entrando pelas narinas, do mormaço sob o céu já estrelado, a pele ainda quente de Sol, cheia de sal e alguns tons diferente.

Eram dias de maratona de brincadeiras com meus primos. Dormíamos ao som do mar arrebentando nas pedras, como nossos corações, explodindo no peito, em completa ansiedade pelo próximo dia.
Janeiro voava. Daí inaugurava fevereiro. De volta à minha cidade, minhas ansiedades orbitavam em torno de qual capa de caderno minha mãe me deixaria escolher, de que turma eu seria na escola.

Então acabava o horário de verão. Já estávamos todos uniformizados, na rotina sem brilho. Não que eu não gostasse _amasse!_ estudar mas, irrefutavelmente, o encanto, por fim, havia acabado e tínhamos o ano inteiro pela frente...

Verdade é que todo mundo sente saudade de alguma coisa, de alguém e, esporadicamente, mata um pouco dessa saudade quando sente um cheiro, quando prova um gosto específico, quando ouve uma música, revê uma foto, revisita um lugar. Eu, no entanto, sou uma abençoada por poder aplacar as minhas saudades e reviver as melhores sensações da minha vida por 04 meses ininterruptos!

Nesses quase 120 dias de horário de verão, eu coloco os meus sonhos da infância no Sol, eu me reencontro com a menina sonhadora, faladeira e feliz que eu era.

O horário de verão é o horário marcado para o meu reencontro com meus pais, que hoje estão tão distantes de mim: mamãe, geograficamente. Já o papai, em todos os sentidos. Mas no horário de verão, estamos juntos! Caminho com ela pela praia, fico horas com ele aprendendo a mergulhar de ponta.

Nesse instante, à minha volta, é quase que uníssona a reclamação do calor. Eu acho graça. Nem está tão quente assim. Eu puxo o ar morno, com toda a força dos meus pulmões e, ao mesmo tempo em que sorrio, não contenho pelo menos duas lágrimas. Elas me lembram que eu posso sim amar esses dias quentes, sem me preocupar com as pedradas.

Por falar nelas, que atire a primeira pedra quem ainda acha que sou uma louca por isso. Continuarei amando apaixonadamente o horário de verão, ninguém vai apagar o Sol que brilha_ incandescente_ dentro de mim.

E seja muito bem-vinda, menina sonhadora, faladeira e feliz!

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