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http://www.youtube.com/watch?v=qbexOeoH5hg |
Do trabalho, era uma das
mais comunicativas. Com o poder de atrair pessoas, sempre estava cercada por
elas. Na maioria do tempo, sorria. Sempre transmitia confiança. Pessoa
assertiva, com grande poder de persuasão. Sabia andar muito bem, falar melhor
ainda. Estava sempre atenta aos silêncios, aos gestos, aos hiatos deixados
pelas pessoas. Olhava nos olhos. Sempre estava presente, sem estar de fato.
Naquele dia foi tudo
normal assim. Brincou com as pessoas à sua volta. Conversou com pessoas que não
conhecia, seu trabalho era esse. Notou a melancolia de um colega de trabalho,
foi até ele saber o que se passava.
Fim de expediente, foi
para o ponto de ônibus. Colocou seus fones de ouvido, ficou pulando as músicas
do aleatório. Só queria ouvir Elvis e Aerosmith. Aliás, agora podia ouvi-los o
quanto quisesse. Voltando para casa, embalada por suas vozes escolhidas,
tentava sufocar sua voz interior, que insistia em lhe perguntar o porquê disso
tudo. Faltava pouco mais de um mês pra acabar o ano e aquele ano estava sendo,
de longe, o mais difícil de todos. Ano de mudanças bruscas. Ano de separações.
Ano que provou-a que ela era muito mais forte que imaginava. Muito mais sozinha
também.
Ia viajando nos acordes,
prestando muita atenção na linha do contrabaixo. Sim, o grave do contrabaixo
sempre a atraiu antes dos solos de guitarra. Ia prestando atenção em tudo o que
via pela janela. Muitas luzes, alguns mendigos, estudantes voltando para casa,
trabalhadores também. O mundo estava se recolhendo, para mais uma noite de
calor.
Desceu do ônibus, rumou
para casa. Com os fones bem acoplados aos seus ouvidos, sentia-se protegida dos
barulhos externos, sobretudo, de seus barulhos interiores.
Ao chegar à portaria de
seu prédio, tirou o fone do ouvido esquerdo e saudou o porteiro, que lhe
retribuiu, sorridente. Cordialmente ela o perguntou sobre o placar do jogo que
estava passando na sua pequena TV, sobre a mesa. Conversaram qualquer coisa
nesse sentido, mas a partida que ele assistia não era a mesma a que ela queria
saber. Claro, ela estava numa cidade diferente e lá os interesses eram
diferentes. Mesmo assim, ela lhe sorriu e se despediu. Encararia alguns lances
de escada até chegar ao seu apartamento.
Recolocou o fone em seu
ouvido esquerdo e seguiu, lentamente, para as escadas. Lançou mão do verdadeiro
silêncio à sua volta e decidiu não acender as luzes. Subiu no escuro e deixou
as lágrimas contidas descerem. Aproveitou para chorar e chorou enquanto subia
as escadas de seu prédio.
Ao parar na porta de seu
apartamento, enxugou o rosto, guardou o fone na bolsa e sacou a chave. Abriu a
porta e deu seu melhor sorriso para sua filha adolescente, que lhe esperava. Se
abraçaram, ela perguntou à menina como fora seu dia. Conversaram, animadamente.
Lancharam, riram.
Mais tarde, cada uma foi
para seu quarto. A mãe acessou ao Facebook, curtiu várias publicações de
amigos, comentou fotos, deu alguns conselhos in box, como quase sempre fazia.
Indiscutivelmente, era uma mulher muito feliz, talvez até realizada! Uma
autêntica fraude.
Quando, porém, a partida
de futebol acabou e a cidade explodiu em fogos de artifício, novamente ela
chorou. Nos intervalos da vida, ela era ela mesma. Nada além de uma garotinha
triste.