Entrou na minha vida, arrumou a minha bagunça, jogou tanta
coisa fora, deu novas cores às minhas paredes, trouxe flores e as pôs nas
janelas. Cuidou das minhas dores, me deu colo, abraçou minha alma triste. Criou
espaço para dançar no meio da minha sala e se fez a visita mais bem-vinda de
todos os tempos. Nem sempre vens, nem sempre ouço tua voz, nem sempre tenho o
carinho dos teus olhos sobre mim, mas sempre que me visitas, deixas meu coração
falante, gerando novas palavras sobre os velhos sentimentos. Não me importam
quantos queriam poder isso, quantos ardam de ciúmes, me importa apenas cuidar
para que sempre voltes. Não me importam os outros, suas querências, vontades,
invejas, despeitos. Eu preciso da tua doce companhia, presente nos detalhes da
minha casa nova, da música que nasceu dentro dela, da tua compreensão
incompreensível, que ultrapassa qualquer lógica ou definição. Não se trata de preferência
ou conveniência, tampouco tem a ver com tempo. É química, empatia, amor,
continuidade, simbiose.
Um dia eu te obriguei a viver e fostes, mesmo olhando para
trás, a contragosto, fostes atrás de um mínimo de sentido. Por isso, talvez a gente vá
levando a vida, vivendo em pensamentos, fingindo quase sempre, sorrindo para
fotografias, assinando documentos e poesias. Talvez estejamos nos estragando
por não estarmos juntos.
Talvez nunca venhas morar aqui, talvez a gente vá
sobrevivendo às longas estiagens que nos assolam depois dos raros temporais,
que vêm para nos manter vivos. Talvez a gente contemple as tempestades das
nossas janelas, construídas tão distantes e sejamos unidos somente pelo olhar
que lançamos sobre elas. Sim, são as prisões
que nos mostram o gosto da liberdade, há estragos que nos abençoam. É possível
contemplar estrelas por onde faltam as telhas.
Eu não duvido de nada e isso explica muita coisa. A tua
arrumação me deixou bagunçada, mas eu não sei viver de outra maneira. E vai ser
assim até o fim. Saberemos sorrir em longas estiagens graças aos temporais que
destroem nossas certezas. E não importa o tempo, não importam quantas telhas
ainda se quebrem, a casa que arrumaste só para mim estará, para sempre, nova.