Eu entendo.
A vida, desde cedo, te sacudiu, te jogou para o alto e saiu de baixo. Você caiu, se machucou muito na primeira vez. E isso se repetiu. E aconteceu de novo. E de novo. E de novo.
Então sua alma começou a sangrar.
Eram os teus sonhos se quebrando, as tuas esperanças trincando, se rompendo, formando cacos que se amontoavam por dentro.
Uma avalanche de contratempos, imprevistos e pesadelos te engoliu. E para se manter vivo, você decidiu respirar curtinho, para não mais ser percebido pela vida, para manter a falsa paz e seguir em frente.
Teu coração se afundou no mar dos cacos de tudo aquilo que você quis ser e não pôde. Submerso no entulho dos teus restos, teu coração apenas existe. Paralisado, entrevado, proibido de disparar por qualquer emoção que sinta. Teu medo de que ele se fira ainda mais o impede de se entregar.
Eu entendo.
Eu entendo que você me machuca para se defender. Eu entendo que você me fere para me proteger de si mesmo. Também entendo que não é por não querer. Você quer, e muito, mas tem medo da dor, eu entendo.
De cacos sou feita. Fui remontada com abraços apertados e com a força gentil de algumas gentes loucas que não desistiram de mim.
Saiba que alguns pedaços se perdem para sempre. Outros, se multiplicam, isso eu não sei explicar, mas acredite: a gente consegue se refazer, apesar da dor.
Talvez você nunca entenda por que insisto em mergulhar ainda mais profundo ao encontro de teus pavores mais cortantes e mortais só para resgatar teu coração. E sei que isso te apavora porque você sabe que vai doer, te apavora porque a dor vai te lembrar que ainda está vivo.
Mas não me importa. Pode gritar nãos. Pode me agredir com teus silêncios, fazendo cara de quem está indiferente, eu não ligo. E se te parece que sou movida à coragem, digo-te que está enganado. Sou movida pelo medo. É o medo de te saber morto em vida que me atrai com urgência para livrar teu coração desse entulho de cacos perfurantes e inflamados.
Eu entendo que para você tudo ficaria melhor se eu desistisse e voltasse daqui de onde estou, mas já estou ferida, desde o primeiro toque. Voltar daqui me mataria, voltar daqui seria desistir e desistir não é opção.
E quando enfim teu coração estiver longe dos cacos e teu sorriso finalmente for verdadeiro, então hás de entender que, para ser livre, precisa deixar doer. É o preço que a vida cobra de quem ela escolhe jogar para o alto e não socorrer. A dor vai te humanizar, vai colocar o sangue de volta ao caminho que ele deve seguir e te fazer forte. Então você há de entender que cada um tem uma loucura dentro de si. A minha é não desistir de você.