Ainda volto a lhe escrever...

... pra lhe dizer ...

Teu mundo deu voltas, você me pediu para voltar para junto de você. Eu larguei tudo e fui. Nem acreditando ainda na felicidade que me esperava a um tanto de quilômetros. Como numa edição de filme, estávamos saindo de casa, a caminho de uma festa. Você estava um pouco preocupado, daquele jeito teu: aprumado, mas sem perder o olhar de soslaio, como quem diz "estou vendo tudo". E eu sempre soube que sim, você sempre esteve vendo tudo. Ah, e lindo, como sempre. De terno, reclamando do calor e me lembrando a todo momento do quanto aquele paletó te incomodava. Ah... e a barba, sem fazer há dois dias, no ponto exato que você sempre soube que me encanta ainda mais. Eu, num vestido azul, minha cor preferida. Nada de mais, apenas bem cortado. O brilho de uma mulher realmente está na companhia, não no que ela veste ou exibe. Saímos do quarto de mãos dadas rumo à sociedade. No caminho você foi meio lacônico, naquele seu mau humorzinho de quem está com um fio de receio amarrando o coração. Eu, respeitando todo aquele sentimento, mas desproporcionalmente feliz pela tua simples presença.

Chegamos ao salão do clube, no topo do morro de onde se vê luzes e escuridão dialogando silenciosamente. Peguei firme na tua mão, você não esboçou muito do que sentia, embora eu soubesse o tempo todo e, por isso mesmo, segurava com firmeza tua mão meio fria. Tuas únicas palavras foram: "é a nossa primeira vez em público, espero que se comporte." Adentramos e eu me senti a mulher mais feliz da existência. Achei graça de todos os tipos de olhares que recebemos, que resumiam-se todos na inveja velada de cada um.

Logo você avistou uma mesa com três amigos, um deles acenou, você me conduziu naquela direção. Quando chegamos perto, você pronunciou a palavra mais linda da noite, no final da frase: "essa é a minha noiva!". Recebemos olhares perplexos, embebidos da mais pura e destilada inveja dos presentes à mesa. Nos sentamos com eles, fiz questão de colocar uma perna em cima da tua e não soltei tua mão. Aceitei apenas uma taça de vinho branco porque sempre soube que você não gosta que eu beba, e isso a gente combinou que faria em casa, a sós. Passei todo aquele tempo na água, socializando e me contendo para não explodir de orgulho por ser quem eu era naquele momento, puro reflexo da tua presença. 

Precisei ir ao banheiro, mas antes, te dei um docinho na boca. Teus amigos não se aguentaram e, na minha ausência, só sabiam dizer "nossa, que mulher apaixonada por você!". Uma maneira sutil e delicada de dizer "porra! Que inveja de você, cara!"

Três minutos depois e eu estava de volta. Mal me sentei e você me disse que também queria ir ao banheiro, mas queria que eu te acompanhasse. Evidentemente você não me deixaria sozinha àquela mesa com aquele trio de amigos de longa data. Eu disse que só iria se você me pagasse um pedágio, e você, mesmo sem ter certeza do que se tratava, topou. 

A essa altura você já estava mais confiante, só eu que ainda não estava acostumada com tamanha emoção. Te esperei na entrada do banheiro, pouco depois você estava de volta. Assumi o controle e te puxei pela mão. Quando chegamos perto da mesa em que estávamos, desviei a rota, parei no muro que dá para a piscina. "Me paga o pedágio agora!" Você me abraçou com firmeza, eu ouvi teu coração estrondoso. Você se rendeu e me beijou. Eu sorria tão forte que era capaz de blindar qualquer pensamento ruim sobre nós naquele instante. Voltamos para a mesa, lá ficamos por mais meia hora. 

Decidimos ir embora, nos despedimos. Eu flutuava por te ver relaxado e feliz. Assim que entramos no carro, antes que você sacasse a chave na ignição, perguntei: "e aí? Me comportei direitinho?" e teus olhos sorrindo, responderam: "você me honrou em cada segundo". Chorei de felicidade. Era exatamente isso que eu queria que você sentisse o tempo todo da tua vida. Beijei tua testa, você beijou minha mão. Seguimos para casa. 

No caminho você me disse "amanhã cedo vamos pegar a estrada". Eu ri e disse "tá, mas quando a gente chegar em casa, antes de dormir, você toca 'Retrato em Branco e Preto' para mim?" Você aquiesceu com a cabeça e sorriu em paz porque, embora a música fosse triste, sua tristeza já não nos alcançaria mais. Nunca mais.

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