Ainda Sabemos?


Isolados, provamos nossa união enquanto o silêncio lá fora grita tensão. Seu eco chega aos nossos ouvidos com o peso imperceptível de um planeta adoecido.

Há quem duvide do perigo. Há quem morreu sem tempo de duvidar.

O silêncio continua a incomodar.
Estamos em casa com a rotina _e a alma_ quebradas. Sem trânsito, sem depósito bancário ou fila na burocracia civil. E pela primeira vez isso não significa paz; e pela primeira vez isso é insuportavelmente pesado para carregar.

O medo do vírus letal pulverizado no ar que respiramos _tão mecanicamente até agora_
nos coloca dentro de casa, à força, e dormir até mais tarde ou não ter preocupações com relatórios e prazos não significa férias, tampouco tranquilidade.

Essa pane mundial veio, sobretudo, destacar nossas futilidades. Corpos perfeitos são tão suscetíveis ao terror invisível quanto aos sedentários e fora do padrão. Status não nos diferencia em absolutamente nada. Bens materiais, carreira, projeção... pega tudo e guarda bem guardado na quarentena, irmão!

Qual é o preceito da imunidade?
Que nível de inteligência exclui o risco?
Quanta beleza torna-te intocável?

Estar em casa forçosamente no intento de preservar a segurança tem nos atordoado. Quem diria que estaríamos em pleno século XXI trancados [desconfortavelmente] no conforto de nossos lares, exalando o mais primitivo dos instintos?

Do nada, o inadiável foi adiado.
O urgente tornou-se um plano vago e incerto.
O imparável parou.
O impossível é realidade.

De repente a possibilidade de adoecer nos mostra que já estamos doentes há décadas, que começamos a morrer quando excluímos os amores da lista, por falta de tempo. Não! Relatórios não são mais importantes que conexões de almas. Conferências não sobrepujam laços afetivos. Negócios não são mais rentáveis que emoções.

Há um fio entre o amor e a alma, e é por ele que corre a vida. Sem amor somos meros arquétipos, somos exemplares ocos, robotizados, frios.

Anelo que a faísca de amor que ainda resiste em nós não se apague. Só pelo amor temos a chance da convalescença.

E eu sei que sim, ainda sabemos amar.
Ah... ainda sabemos sim!

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