Em primeira pessoa

Ultimamente, qual é a ordem que a sua culpa está te dando? Você "precisa" se levantar para fazer o quê? 

Somos todos muito diferentes, mas falamos os mesmos idiomas e dialetos quando se trata de cansaço, culpa, procrastinação, produtividade. Estes são temas que todos nós - brasileiros, russos ou alienígenas - conhecemos muito bem.

No meu caso, a exigência é gerar conteúdo. Coisa que, há até pouco tempo, eu adorava fazer. Havia dias de tanta produtividade, que eu salvava posts para a semana inteira. Eu tinha o bloco de notas do celular sempre cheio de insights, ideias boas para desenvolver depois e sentia no peito uma vibração gostosa, com toque de adrenalina, sempre que me punha ao encontro das palavras.

Sempre que releio meus posts mais "antigos" - sejam de 08 anos ou de pouco mais de 01 ano atrás -, me vem um misto de constrangimento com admiração da minha ousadia - audácia mesmo - em publicar o que já publiquei. A começar pelo "Sem filtro na veia", meu primeiro livro, onde é possível sentir a temperatura fria da minha alma quase morta, cheia de vontade de lutar pelo amor e pela vida. Hoje, quase 10 anos depois de seu lançamento, eu o classifico como "impublicável". É um perigo externar a ansiedade de ser aceita, de viver o amor, é  uma temeridade absurda trazer à tona a dor do existir. 

Sim, estamos todos a fazer parte de um grande filme no qual, dia a dia, estamos a deixar o protagonismo para assumir papéis secundários e, gradativamente, chegamos a figurantes da própria vida. A questão é que estamos delegando o estrelato para o outro e para coisas que, na verdade, não somam, que têm mais a ver com vilania. 

Há algum tempo - longo e tenebroso tempo - que me sinto estéril de inspirações. Os sentimentos, outrora tão lancinantes, agora me vêm com timidez e até com um quê de dúvida. Quando me proponho gentil e forçosamente a "gerar conteúdo" - mera denominação de "escrever o que sinto" - sou tomada por uma avalanche de incerteza do que escrevo, e até mesmo de uma pavorosa hesitação.

A verborragia moderna agravada pelo achismo crônico têm calado meu coração. Sinceramente tenho medo de me expor para tanta gente que cuida dos filtros em suas fotos e usa filtros nenhuns em suas palavras. É, medo. Os patrulheiros da boa conduta têm sentenças cruéis até quando se fala em saudade ou paixão, essas coisas tão humanas, que deveriam ser comuns a toda gente, mas já não são. As opiniões - não solicitadas - vêm, independente do tema, experimenta deixar o cabelo crescer pra ver!

Isso não tem a ver com proibir opiniões, não. Tem a ver com bom senso. Nessa coisa de conexão mundial, levar o mundo no bolso e poder tocá-lo com a ponta dos dedos, estamos cada dia mais nos distanciando da nossa humanidade natural, da empatia, da educação que nos ensinou, desde pequeninos, a só responder o que - e se - formos perguntados, a não corrigir alguém em público, a sermos pessoas amáveis, sociáveis.

Ao contrário disso, as redes - ironicamente - "sociais" têm nos dado a liberdade de disparar comentários, deslikes, "ranços e cancelamentos" por qualquer frivolidade. De repente me releio e acho tudo tão irrelevante, banal. É que tornaram o mundo virtual em "o mundinho perfeito", onde ninguém chora, ninguém se frustra, sente saudade ou medo. Poetas não têm vez. A razoabilidade das interpretações têm afogado milhões de pessoas. E me calado também.

Nunca discuti política ou polêmicas sociais. Sempre falei de amor e das coisas bobas que a gente traz na alma, que toda alma compreende - ou compreendia. Era gostoso deixar o coração falar e ouvir outros corações a responder. Mas isso tem sido cada vez mais raro. E tá difícil esboçar uma reação e me levantar desse abrigo cada dia mais silente em que tenho me aninhado. 

Eu queria mesmo um pseudônimo. Acho que isso me salvaria. Por ora, volto a minha hibernação. Em primeira pessoa, não sinto vontade de sentir. 

Comentários