"Round 6" é sobre você!

 

*** CONTÉM SPOILER ***

A incrível geração de fotos sorridentes e de travesseiros encharcados, agora, tem embarcado na audiência de "Round 6", a série coreana que é a febre do momento. E eu, como parte integrante dessa incrível geração, cedi à curiosidade e também virei parte da estatística de seus espectadores.

O que não é spoiler dizer é que a série se trata de "um grupo de pessoas passando por dificuldades financeiras que aceita um estranho convite para um jogo de sobrevivência. Um prêmio bilionário os aguarda, mas as apostas são altas e mortais."

É interessante ler acerca das reações dos outros espectadores nas redes sociais. O que a gente sente, pensa ou conclui acerca das outras coisas diz muito da gente mesmo. Fazer piada sobre cenas aterradoras não desperta muita fé na sociedade. E fazer piada sobre cenas aterradoras porque "aquilo é ficção pura" é a última pá de cal no poder de interpretação da incrível geração de fotos sorridentes e de travesseiros encharcados.

"Round 6" tem diálogos que espetam a nevralgia da alma. Eles questionam e provocam princípios morais e éticos; trazem à baila questões financeiras, familiares, religiosas, sexuais, suicidas, traições, dissimulações, desproporções sociais... nada que soe "fictício" em nossos dias. Ao som do clássico Danúbio Azul, por um caminho lúdico, caminhando para a angústia de mais um dia, enquanto, do outro lado, poderosos de quem sequer conhecemos o rosto, se divertem e enriquecem, assim vai a humanidade, assim vamos, sem muita vontade.

É irônico ver que nos espantamos com o horror da tela enquanto convivemos em arenas reais de "batatinha frita, 1,2,3...". É sádico a gente se condoer com a situação da nossa vitória ser o atestado de óbito do outro - como na disputa das bolinhas de gude - e viver exatamente assim no mundo corporativo, onde "vence o mais forte". E a cereja do bolo é o alívio na voz que diz "bem feito" ao ver o derradeiro suicídio no "jogo da lula", afinal, gente má e dissimulada tem mesmo que se matar.

A série ganhou todo o destaque que ganhou porque desenhou com cor de sangue toda a nossa realidade. Quem não adoraria disputar um prêmio bilionário para nunca mais ter que aturar os boletos, os cobradores ou, em última instância, a própria vidinha medíocre? O problema não é que não nos contam as regras antes. É que, quando nos contam, a gente tem 05 segundos de repúdio e, depois, vai com tudo, contra todos.

Bem fácil, do lado de cá, às pipocas e edredons, ficarmos em choque, com o martelo de magistrado à mão, julgando a atitude e o caráter de A, B e C, ou melhor, de 01, 067, 218, 456... enquanto que, na verdade, ainda nem nos demos conta de que recebemos um número ao nascer e que vamos, ao longo da nossa incrível vida, adicionando outros números a ele; números que nos identificam, abrem portas, portais; senhas, registros e cadastros que, tantas vezes não queremos, mas somos obrigados a ter/ ser.

E quanto mais número a gente se torna, mais fictício parece ser "Round 6". Só que não é, "Round 6" é sobre você! Você percebeu?


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