ANESTESIA DÓI

Arte da @yaoyaomva


Quem há de ouvir o som da saudade que esmago sob meu cotidiano de silêncio? Estão todos muito ocupados para largar os fones e ouvir nossas melodias; estão todos muito ocupados para largar suas pequenas telas e nos enxergar ao vivo.

Aprendi a disfarçar minhas vontades. Sinto-as. Muitas. Várias. Mas não as demonstro.

Até sorrio.

Me distraio com efemeridades que me anestesiam os sentimentos [mas anestesia dói].

Acendo os pensamentos que querem ter a força de silenciar uma vida inteira, mas eles duram o tempo do fogo a percorrer um palito.

Tenho treinado muito.

Tenho ficado habilidosa em espremer o choro, torná-lo tão pequenininho que ele some no fundo dos meus olhos: lugar exato que todo mundo evita.

Choro enquanto me banho. Água e choro se fundem, como se fossem uma coisa só.

Depois, com exímia desenvoltura, espremo o choro novamente, devolvo-o ao seu esconderijo e volto ao mundo barulhento, muito limpa e vertical. 

Tão vertical que nada se mistura aqui dentro. Nada cai das prateleiras, nada desembrulha, nada explode.

Aprendi a respirar curtinho, fazer poucos movimentos, parecer indiferente. Aprendi a colocar silêncio em tudo que vivo e a ignorar a tristeza de amadurecer na sua ausência, longe dos teus olhos instintivos.

Mas a verdade incomoda. Sentir saudade de gente viva que se faz de morta é mais triste do que sabê-la morta.

Às vezes isso me ensurdece.

Então aumento o volume da música, injeto mais anestesia e me convenço de que você não faz falta.

Mas faz.



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