Uma pedra preciosa

Desde que me inscrevi recentemente no Substack, comprometi-me a publicar um texto semanalmente; mais precisamente, aos sábados. Mal comecei com duas ou três publicações e, sábado passado, falhei. No entanto, a causa era boa e é sobre ela que quero escrever hoje. 

Há meses que a Elisa - minha amiga de infância - anunciou que viria passar umas semanas em Portugal. Eu amei a notícia! Já não nos víamos há muitos anos. 

À medida em que o tempo foi passando, os meses se transformaram em semanas, que se transformaram em dias de espera e muita ansiedade. Combinamos um jantar com outro amigo em comum que também mora há alguns anos aqui, em Portugal.

Quando entramos na semana do jantar, a pouquíssimos dias de nos encontrar, comecei a sentir uma nostalgia tão profunda! Comecei a rever nossas memórias juntas, nossas histórias malucas da adolescência, nosso filminho particular. E foi aí que decidi que eu não escreveria sobre outro tema senão a amizade, a importância de se ter alguém com a magnitude desse título em nossa história. Por isso falhei o compromisso de escrever porque nosso encontro foi exatamente na sexta-feira e eu não tive condições físicas e nem emocionais de escrever algo às pressas só para cumprir o horário da postagem. 

Justificativa dada, sigamos com a reflexão de hoje.

Há uma frase atribuída a Aristóteles - mas um Google rápido já deixa a incerteza da autoria bem grande - que diz: "Um amigo é um outro eu". Independente de quem seja essa pérola, seu valor está em sua mensagem profunda.

Talvez você nunca tenha parado para pensar na importância de uma amizade. Para mim, a amizade é uma pedra preciosa incrustrada na joia da vida. Vale lembrar que confundimos amizade com camaradagem ou coleguismo. Há pessoas que convivem conosco por uma fase específica - trabalho, curso... - mas depois seguem seu caminho e nunca mais sabemos delas. Não é desse nível de convívio a que me refiro. Refiro-me a amizades de décadas, àquelas que conheceram nossas versões que já não existem mais. Já parou para pensar o quanto isso é íntimo e especial?

Na véspera do jantar com a Elisa eu não dormi. Fiquei pensando nisso. Quantas versões eu já tive, quantos medos que já não existem, quantas paixões das quais nem me lembro mais... quantas coisas inaceitáveis aquela versão aceitou, quantas piadas tinham graça que já se perdeu... quantos sonhos, pesadelos, provas da escola, inseguranças juvenis que eu vivi, senti e ela foi uma testemunha de tudo isso. 

Uma testemunha. Acho que essa, para mim, é a melhor definição de "amigo". 

Horas depois, à mesa, lá estávamos nós com nossos... maridos (!)

É tão mágico confirmar que nossos olhares de cumplicidade resistiram ao tempo, que a essência que nos grudou na infância permanece. Éramos amigas de brincar de Barbie aos domingos depois da Escola Dominical e, depois, passamos a amigas de praticamente morar uma na casa da outra. Quando não estávamos enfurnadas na casa dela ou na minha, estávamos ao telefone: horas de conversa, broncas sem fim de nossas mães que nunca entendiam como podíamos ter tanto assunto!

Não havia internet nos anos 90 - não para os reles mortais, como nós - mas tínhamos novidades diariamente. Quantas cartinhas trocamos! Quanto tudo de mais puro compartilhamos! Que potência, agora, vê-la ali, do outro lado da mesa, amadurecida, com preocupações de gente grande, com postura de mulher crescida!

E ainda assim, morremos de rir. E ainda assim, nosso laço sustenta duas histórias de uma vida inteira.

Reencontrar um amigo é mesmo estar com outro eu; com outro eu que já não existe, mas permanece pulsando silenciosamente em nossas veias e entrelinhas. É, também, uma forma de estar de novo com a criança que fomos. Pelo menos foi o que senti, uma integração completa da menina, da garota e da jovem que fui. Estávamos todas lá, à mesa, vestidas de adulto, comportando-se como tal.

Horas depois, nos despedimos. Nos emocionamos. Não foi preciso falar nada: nós sabíamos. Nós sabemos.